Hoje tem marmelada?

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“Hoje tem marmelada? Tem sim senhor! Hoje tem goiabada? Tem sim senhor! E o palhaço, o que é? É ladrão de mulher!” – E é assim que nesta semana invado o universo circense da televisão. Um universo onde palhaços, malabaristas, mágicos e tantos outros brilharam…Desde os primórdios! Mal haviam inventado o meio televisão e lá já estavam os palhaços fazendo bagunça na telinha. E é sobre estes palhaços, o símbolo maior de um circo (sem menosprezar os demais, é claro!). Aqui vai a nossa homenagem a estes mestres do riso.   “Hoje tem marmelada? Tem sim senhor! Hoje tem goiabada? Tem sim senhor! E o palhaço, o que é? É ladrão de mulher!” – E é assim que nesta semana invado o universo circense da televisão. Um universo onde palhaços, malabaristas, mágicos e tantos outros brilharam…Desde os primórdios! Mal haviam inventado o meio televisão e lá já estavam os palhaços fazendo bagunça na telinha. E é sobre estes palhaços, o símbolo maior de um circo (sem menosprezar os demais, é claro!). Aqui vai a nossa homenagem a estes mestres do riso.

Piolin, o pai dos palhaços

FuzarcaAntes de falar de qualquer um dos palhaços, é bom lembrarmos do mais antigo, que é considerado o “Rei dos Palhaços” no Brasil. Nome: Abelardo Pinto; apelido: Piolin! Um palhaço que teve este apelido dado por uns espanhóis, por causa de sua extrema magreza, na juventude. Ele era magro como um “barbante”, significado da palavra “Piolin”.   Piolin, como Carequinha, trabalhou no circo desde que nasceu…até o primeiro morrer, em 1973. Hoje Piolin é nome de rua no centro da cidade. Este, que além de cômico foi acrobata, ginasta, equilibrista, sempre destacando-se com seu brilho especial.   Seus contemporâneos diziam que este era pai de todos aqueles que pintavam a cara, botavam colarinho duro e saíam por aí, fazendo o povo rir. Piolin fui o único palhaço do Brasil a participar de um dos movimentos mais significativos de nossa história atual, a Semana de Arte Moderna (1922), enquanto a seus lados só existiam poetas, pintores, arquitetos e teatrólogos. Além deste fato, trabalhou com três grandes palhaços: Harry Queirolo (parente de Torresmo), Alcebíades Albano Pereira (com quem completou mil espetáculos, no largo do Paissandu) e com o filho deste, o Fuzarca (à direita, Visita dos palhaços ao Club do Papai Noel – TV Tupi, década de 50.

O Cirquinho do Arrelia   

Arrelia atualmente, com mais de 90 anos. Arquivo pessoal da Waldemar Seyssel / APPITENão se sabe ao certo qual foi o primeiro palhaço da televisão: Arrelia ou Fuzarca e Torresmo? Na versão que mais se fala, cabe o título a Waldemar Seyssel, o nosso querido Arrelia, que hoje está quase com 94 anos de idade. Aquela mesma TV Paulista que nas semanas anteriores citei foi a pioneira na palhaçada. Foi lá que nasceu o programa O Circo do Arrelia, que mais tarde iria ser um grande sucesso na TV Record, canal 7, rebatizado com o diminutivo do nome (Cirquinho do Arrelia). Sempre aos domingos, em ambas emissoras.   Arrelia sempre foi irreverente e se diferencia de “qualquer palhaço de qualquer época”. Tem um bigode branco, um nariz vermelho chatinho e arrebitado, um chapeuzinho e um terninho listrado de fios pretos sob a superfície vinho.   Seus programas se iniciavam com a música “Muito bem”, logo depois viria uma série de pantomimas onde Arrelia brincava com seu sobrinho e também palhaço, Pimentinha (Walter Seyssel). Depois do intervalo, o Cirquinho do Arrelia mudava de quadro e aí entrava o Circo-Teatro, onde uma espécie de episódio cômico era feito, digamos o que hoje existe na Turma do Didi ou até mesmo nos quadros de Os Trapalhões, encabeçados por Renato Aragão, o Didi Mocó, um palhaço sem maquiagem.   Logo abaixo, reproduzimos a música “Muito Bem”, introdução do programa Cirquinho do Arrelia, de autoria de Manoel Ferreira, Arrelia e Antônio Mojica.

“Como vai? Como vai? Como vai?

Como vai? Como vai, vai, vai?

Eu vou bem! Eu vou bem!

Eu vou bem!Muito bem! Muito bem! Bem! Bem!

Você vai bem?Eu vou também!

E ele como é que vai? 

Como vai? Como vai? Como vai?

Como vai? Como vai, vai, vai?

Eu vou bem! Eu vou bem! Eu vou bem!

Muito bem! Muito bem! Bem! Bem!”

Nos Tempos do Circo Bombril

Respeitável público, está começando mais um Circo Bombril… – Todo bem vestido, Walter Stuart tirava sua cartola e abria assim o Circo Bombril, o pioneiro programa circense da PRF-3 TV Tupi. O mediador dos espetáculos era o Stuart, este que até morrer fez comédias – seu último “número” foi na Praça É Nossa (SBT). Todas as segundas-feiras, às 8 horas da noite, Circo Bombril fazia a alegria das crianças que assistiam o canal 3, o campeão de audiência.   Num vai e vém entre um número e outro, os palhaços Fuzarca (Albano Pereira) e Torresmo (Brasil José Carlos Queirolo) entravam e faziam suas pantomimas… Walter Stuart era sempre interrompido por estes seus dois amigos. Stuart chamava, quase sempre, em primeiro lugar o mágico, logo viriam esquetes teatrais. Mas seguido de várias atrações, o intervalo maior do programa se aproximava. Era nesta hora que o grande espetáculo de Fuzarca e Torresmo acontecia, no estilo “episódio”, como já citei mais em cima. E foram nestes que entrava Henrique Canales, irmão de Stuart, fazendo papel do homem sério e bravo que dava o contraponto para as piadas e brincadeiras daquela famosa dupla de palhaços.   Com o tempo, Fuzarca e Torresmo foram caindo no esquecimento. A produção sofisticada do Cirquinho do Arrelia e o crescimento assustador da TV Record engolia a audiência do Circo Bombril, patrocinador que certamente também havia se retirado do contrato. Os enlatados e o crescimento dos telespectadores mirins, que assistiam assiduamente este programa, também deram fim a não só o Circo Bombril de São Paulo, mas também a todos os outros de cada emissora dos Associados pelo Brasil – é bom lembrar que naquela época não existiam redes de televisão. Uma das únicas Emissoras Associadas que não possuíam o Circo Bombril era a do Rio de Janeiro, que mais abaixo explicarei.   Albano Pereira (Fuzarca) morreu antes de Brasil Quirolo (Torresmo), que faleceu em 1996, já com muita idade.

A Genealogia da Palhaçada   

BozoNão, pessoal, a televisão não é o único meio que, as vezes, uma genealogia por trás. O circo é algo impressionante, onde este “fenômeno” se repete com muito mais freqüência.   Torresmo (Brasil José Carlos Queirolo) não foi o primeiro dos Quirolo a fazer palhaçadas por aí, nem mesmo Harry Queirolo. O primeiro nem mesmo era brasileiro, era o espanhol José Carlos Quirolo, que na Espanha tinha o nome de “El Chicharón” (“o torresmo”), que abrasileirado ficou sendo Palhaço Chicharrão. Chicharrão era pai de Brasil Antônio, que resolveu colocar este apelido de “Torresmo” ao traduzir para o português o apelido do pai. E a genealogia “gordurosa” foi passada até para o neto de Chicharrão e filho de Torresmo, o palhaço Pururuca, que até hoje faz sucesso pelos circos do Brasil.   Chicharrão chegou a fazer sucesso na televisão também, estreando seu programa circense no início da TV Excelsior, na época de sua fundação, em 1960. Chicharrão vinha para TV quando o filho já estava quase no término do Circo Bombril. Torresmo chegou até participar do programa do pai na Excelsior, mas preferiu se dedicar mais ao circo não-televisionado.   A família de Arrelia também tinha tradição circense. O seu avô, pertencente à família dos Condes Seyssel da França, abandonou uma vida de luxos para se casar com uma acrobata, filha de um dono de circo. A paixão foi pela moça e pelos espetáculos, que nunca mais largou.   Desta mesma família, um outro neto do primeiro Seyssel circense é Gilberto Fernandes, o Gibe, palhaço famoso na televisão, que atende pelo apelido de Papai Papudo, que alegrou muitas manhãs e tardes da Record e do SBT ao lado de Bozo. Sempre com sua inconfundível frase: “Que horas são? São cinco e sessenta”. Hoje Gibe faz as pegadinhas do programa Topa Tudo Por Dinheiro (SBT), aos domingos, comandado por Silvio Santos. Gibe começou na TV Tupi, em 1963. (à direita, Foto do Bozo (SBT), contida no LP de número 2 do Programa do Bozo, 1984. Propriedade da gravadora BMG-Ariola)

As Aventuras do Carequinha   

Na PRG-3 TV Tupi do Rio de Janeiro, ao invés de dois palhaços apresentando um mesmo programa, cujo nome deveria ser Circo Bombril, Assis Chateaubriand sua “inteligência comercial” e mudou a sua proposta circense no Rio de Janeiro, pegando o palhaço Carequinha para fazer seu programa, temendo que outra emissora pegasse o mesmo e quebrasse a audiência da Tupi carioca. Carequinha era famoso por ser compositor de marchinhas carnavalescas (e ao mesmo tempo circenses) e por lotar assustadoramente circos e estádios, no caso de espetáculos especiais, coisa que fez depois na Tupi. O canal 6 então resolveu inventar o programa circense, estilo episódio, chamado As Aventuras do Carequinha. O programa teve muito sucesso na emissora, sempre despontando em primeiro lugar. Mas depois de quase uma década no ar, por motivos que não sabemos, o programa foi tirado do ar.   Em 1983, quando a concessão do mesmo canal 6 do Rio de Janeiro foi passada pelo governo o poder da Rede Tupi para a Rede Manchete, Carequinha retornaria o seu programa, naquela mesma emissora. Só que desta vez, à cores e por menos tempo. Nem cinco anos de existência teve o programa, sendo colocado em seu lugar programas como Clube da Criança, que revelou Xuxa e Angélica na televisão,  e Milk Shake, com Angélica também.   Uma música famosíssima de Carequinha é “O Bom Menino”, composta na década de 50:

“O bom menino não faz xixi na cama

O bom menino não faz malcriação

O bom menino vai sempre a escola

E na escola aprende sempre a lição

O bom menino respeita os mais velhos

O bom menino não bate na irmãzinha

Papai do céu protege o bem menino

Que obedece sempre, sempre a mamãezinha

Por isso eu peço a todas as crianças

Preste atenção para o conselho que eu vou dar

(falado)

Carequinha, não gosta de criança que faz Xixi na cama,

que desobedece os pais,

que falta a escola,

que bate na irmãzinha. Tá certo ou não tá?

(cantado)

Eu obedeço sempre a mamãezinha

Então aceite os parabéns do Carequinha.”

A Última Geração

A última geração que aqui falamos, dos grandes e carismáticos palhaços da televisão, está localizada do fim da década de 70 até o fim da década de 90. O que está fora desta última década, depois disto, não é enquadrado como um grande sucesso.   No fim da década de 70, Silvio Santos, na época dono da TV Record, ali havia começado sua importação de programas internacionais e os nacionalizando. Era o caso do Programa do Bozo, personagem americano (do programa Bozo, the Clown) de cabelos vermelhos e roupa azul, com babados e bolinhas brancas. Além do palhaço, existia o desenho dele, produzido nos Estados Unidos mesmo. A esperteza do dono do baú foi a de, com a criação da TVS em São Paulo (depois SBT), levaria as atrações da Record para o canal 4. Bozo tinha a seu lado Papai Papudo, sempre preocupado com as horas (o Gibe, que já citamos); a Bozolina, que fazia grunhidos como se estivesse falando com os outros (que só mesmo os palhaços para entendê-la!) e a Vovó Mafalda.   O programa era de manhã e à tarde. Existiam dois bozos, um para cada horário. O ator Arlindo Barreto foi um e o entrevistador do Baú, cujo nome não me recordo, era o outro. Em 91 o programa da tarde deu lugar ao Show Maravilha, com a baianinha Mara. Mais tarde, o Bozo da manhã também saía do ar, sendo 100% de Show Maravilha.   O que restava era apenas a Vovó Mafalda, que a tarde, desenvolveu um programa onde crianças cantavam e eram julgadas, isto por volta de 1995. A “palhaça” tinha também seu programa matinal, por volta das oito horas, que não me lembro se chamava-se já Bom Dia & Cia., mas que foi substituído, com certeza, por este onde a apresentadora seria Eliana, que hoje está na Rede Record. A primeira palhaça da história da televisão, a Vovó Mafalda, era interpretada por Valentino Guzzo. Este, que morreu em 2000. Sua última profissão foi animador de auditório do Programa do Ratinho (SBT), um posto pequeno para quem teve uma gloriosa carreira, sendo até jurado da TV Excelsior. Mas este papo fica para outro dia.   Tiveram também Atchim e Espirro, da TV Gazeta, que nesta mesma época, emplacaram bem na competição com Bozo. Eu lembro até de ter ido numa festa onde o Espirro fez um showzinho. Como o Bozo, também era sensacional o programa deles. Mas sou suspeito para dizer isto.   Em termos circenses a Rede Globo jamais atingiu o feito dos outros canais, nunca foi líder de audiência nesta modalidade. Tentou fazer palhaços no Xuxa Park, nos último anos, mas não emplacou.   E hoje nossas crianças assistem desenhos violentos e esquecem cada vez mais do encanto singelo de nossos queridos palhaços, frutos da magia circense.

Artigo publicado originalmente no portal Sampa On Line – coluna “Comunicação”, de Elmo Francfort, em 16 de março de 2001 – http://www.sampaonline.com.br/colunas/elmo/coluna2001mar16.htm

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